domingo, 31 de julho de 2011

IV Seminário de Educação e Movimentos Sociais

Saberes e Práticas em Educação Popular
de 30/11 a 02/12/2011
Centro de Educação - PPGE/UFPB

Inscrições – de 01 de julho a 30 de outubro de 2011
- Com trabalho: até 15 de setembro de 2011
- Sem trabalho: até 30 de outubro de 2011
- Divulgação dos trabalhos aprovados: 15 de outubro de 2011


Mais informações: http://www.wix.com/6sems2011/6sems2011

Por Jéssica Sobreira.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

UEPB realizará 2ª Jornada de Estudo Internacional sobre Poéticas da Oralidade: Lourdes Ramalho e o Teatro Popular

A UEPB realizará no dia 19 de agosto a 2ª Jornada de Estudo Internacional sobre Poéticas da Oralidade: Lourdes Ramalho e o Teatro Popular, homenageando o reconhecido talento da referida dramaturga.  O evento ocorrerá no Teatro Municipal, das 09 às 21h, com entrada aberta a todos os interessados. De acordo com o projeto da iniciativa, a Jornada propõe um espaço de discussão sobre esses novos suportes e linguagens de que dispõe hoje o cordel, o teatro popular, entre outras poéticas, questionando o discurso acadêmico, um dos responsáveis pela exclusão dessas poéticas da oralidade, ampliando a compreensão delas no que concerne a sua função social, sua especificidade literária e as incursões dessas poéticas no livro impresso.

Segundo a coordenadora da Jornada, Joseilda de Sousa Diniz, o evento acontece não por acaso no dia que precede o aniversário de Lourdes Ramalho e também se associa ao lançamento nacional e internacional da obra da escritora na Galícia e em Brasília por ocasião do Grupo de Trabalho (GT) Mulher e Literatura.

A Jornada contará com a presença de grandes especialistas das tradições orais e em particular da obra de Lourdes Ramalho. Haverá leituras encenadas das obras da escritora por jovens estudantes e pesquisadores da UEPB e da comunidade campinense, assim como exposições e lançamentos de livros, bem como a encenação da peça inédita de Lourdes Ramalho, intitulada Os Doidos de Santidade, sob a direção de Saulo Queiroz.

Conforme Joseilda Diniz, “os estudos literários têm sido analisados, ao longo dos séculos, sobre um prisma meramente acadêmico e livresco. A tradição literária escrita que norteou profundamente os estudos acadêmicos, conseguiu durante muito tempo limitar o acesso às demais linguagens, suportes e a uma tradição “diferente” daqueles considerados como autênticos, legítimos representantes do pensamento nacional. No que se refere à literatura oral, houve sempre uma grande marginalização e desqualificação de poéticas ditas “populares” no contexto da literatura”.

“O sucesso da 1ª Jornada de Estudo Internacional sobre Poéticas da Oralidade: reinvenção e reescrituras, mostrou a importância do Acervo Átila de Almeida para a comunidade acadêmico - científica nacional e internacional, como referência de acervo público, futuro Pólo de Estudo e Pesquisa sobre as Tradições Orais”, disse. A professora acrescentou que por ocasião do evento realizado em fevereiro desse ano, “pode-se evidenciar a relevância dos trabalhos realizados na UEPB, no que se refere ao processo de salvaguarda, restauração, digitalização, pesquisa, promoção e divulgação do Acervo”.

Nesse sentido, “esse projeto de 2ª Jornada dá seguimento ao empreendimento de divulgação e promoção do Acervo Átila de Almeida e da importância de nos associarmos à homenagem realizada pela Galícia à obra da grande intelectual Lourdes Nunes Ramalho”, explicou.

A entrada do evento é franca, mas a comissão organizadora sugere que os interessados levem um quilo de alimento não-perecível que será direcionado ao Comitê de Solidariedade da UEPB e em seguida fornecido às vítimas das fortes chuvas, em Campina Grande.

Sem cerimônia

Conforme a professora Joseilda Diniz, a programação do evento terá um caráter descontraído e aqueles que o desejarem poderão participar da declamação de poesias e trechos da obra da homenageada.

A intenção é que a Jornada não se configure somente como um evento acadêmico, mas de participação geral, com vistas à troca de saberes, e o mestre sem cerimônias será o poeta, cantador e repentista Oliveira de Panelas. Na ocasião, ele proferirá as “Saudações Poéticas à Lourdes Ramalho”. O perfil do público-alvo centra-se nos pesquisadores, estudantes, artistas da cultura popular e a comunidade em geral.

Na ocasião, também haverá o lançamento da obra de Lourdes Ramalho na prestigiosa edição Arquivos Teatrales de Espanha- Galiza, em co-edição com a Editora Universitária da UEPB (EDUEPB). "É a primeira co-edição internacional da nossa Universidade que atravessa fronteiras para se associar e prestigiar com os europeus a importância da obra da dramaturga no cenário do teatro nordestino, brasileiro e internacional", enfatizou Joseilda Diniz.

Os participantes convidados são pesquisadores e estudiosos de diversas localidades do Brasil e do exterior, onde cada um deles tem papel relevante, no desenvolvimento e preservação de expressões artístico-culturais que resgatem e promovam a cultura nordestina. Entre eles figuram o Prof. Dr. Cidoval Morais de Sousa, coordenador do Mestrado em Desenvolvimento Regional da UEPB, diretor da EDUEPB; o Prof. Dr. Diógenes Maciel, que atua no Programa de Pós-graduação em Literatura e Interculturalidade da Instituição; o médico de formação, Everaldo Lopes, leitor voraz de Lourdes Ramalho; a Profª Drª Francisca Pereira dos Santos, da Universidade Federal do Ceará (UFCE), estudiosa das vozes femininas na literatura de cordel, e autora do livro “Romaria de versos: mulheres cearenses autoras de cordel”; o professor do Departamento de Artes da UEPB, Hermano José, jornalista, diretor e ator e um dos melhores conhecedores da obra “ramalhiana”, assim como o docente da UEPB e artista plástico Prof. Dr. Inácio Macedo, que possui vasta experiência na área de Educação.

Ainda se fará presente a dramaturga Lourdes Ramalho; o Prof. Dr. da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), José Helder Pinheiro, especialista nas áreas de Literatura Brasileira e Literatura e Ensino, a coordenadora do evento, Profª Drª Joseilda de Sousa Diniz, doutora em Literatura Estrangeira e Comparada pela Universidade de Poitiers, na França, com pesquisa sobre o poeta, cantador-repentista e pesquisador José Alves Sobrinho e coordenadora das Jornadas de Estudo Internacional Poéticas da Oralidade na UEPB, no âmbito das atividades de pesquisa desenvolvidas no Acervo Átila de Almeida.

Pode-se destacar, além disso, as presenças da professora emérita e diretora da equipe brasileira do Centre de Recherches Latino- Américaines – CRLA-ARCHIVOS e Fonds Raymond Cantel, da Universidade de Poitiers, França, especialista em literatura medieval em línguas românicas e de literatura brasileira dos séculos XIX e XX, Ria Lemaire; do jornalista e teatrólogo paraibano Saulo Queiroz e da professora da UFCG Profª Drª Valéria Andrade, especialista na obra de Lourdes Ramalho.


Mais sobre Lourdes Nunes Ramalho ou a Gil Vicente Sertaneja

Segundo a professora Joseilda Diniz, Lourdes Ramalho é considerada na Península Ibérica como a Gil Vicente Sertaneja. “No âmbito do lançamento de seu livro na prestigiosa edição de Arquivos teatrales de Espanha, na Galiza, e do lançamento simultâneo da obra em agosto, nas cidades de Brasília e em Campina Grande, a Universidade Estadual da Paraíba sob a coordenação da Pró-Reitoria de Pós-graduação e Pesquisa e o Acervo Átila Almeida vem se associar à cidade de Campina Grande para prestigiar a voz feminina mais nordestina do teatro brasileiro”, ressaltou Joseilda Diniz.

Para a professora, “o teatro de Lourdes Ramalho revisita as tradições de nosso povo, pondo em relevo o seu imaginário, o jeito de ser, de sentir e de se estar no mundo nordestinos. O teatro da Dona Lourdes, respira a cadência rítmica e saborosa das coisas que ela ouviu, viu, participou e/ou imaginou. Fatos e coisas são habilmente tecidos na escritura dessa nordestina que, com grande sensibilidade e pertinência, aborda nas relações humanas de seus personagens, os conflitos e a realidade do indivíduo”, afirmou.

A professora e dramaturga Lourdes Nunes Ramalho, como gosta de ser chamada, é uma das vozes femininas mais destacadas na dramaturgia nordestina, sendo respeitada e conhecida em todo o Brasil, assim como na Europa, com obras publicadas e premiadas no País, na Espanha e em Portugal. Autora de obra vasta, com quase cem textos teatrais, Lourdes Nunes Ramalho, apresenta uma obra rica em tradições orais, revisitando o universo da poesia popular, do folheto de feira e da cantoria que, animara tanto a sua infância.

De acordo com a pesquisadora e especialista na obra da dramaturga, Valéria Andrade, atualmente, a escritora dedica-se à Genealogia, “revelando-se também aí a pesquisadora de fontes históricas, interessada em descobrir as raízes judaicas da cultura nordestina e, por extensão, da sua própria família”.

Disponível em: http://www.uepb.edu.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3296&catid=3296&Itemid=410
Por Jéssica Sobreira.

Universidade Estadual sediará “Seminário sobre Alimentação Natural e Vegetariana” com entrada gratuita

O Auditório da Faculdade de Administração da Universidade Estadual da Paraíba, situada na Avenida Getúlio Vargas, Centro, em Campina Grande, sediará nos dias 15 e 16 de setembro o 3º Seminário sobre Alimentação Natural e Vegetariana, promovido pelo grupo Proteção Animal Vegetarianismo (PAV).

O evento, cuja entrada é gratuita, acontecerá entre as 19 e 22h e contará com a presença de diversos palestrantes, que terão como objetivo apresentar aos ouvintes as regras básicas para seguir uma alimentação saudável e sem crueldades aos animais.

No dia 15 de setembro, a nutricionista Viviane de Oliveira Barros ministrará a palestra “Alimentação e Qualidade de Vida”. Já no dia 16, o biólogo e terapeuta holístico Edilson Pinto da Silva abordará o tema “De volta às origens”, enquanto o médico clínico geral Fernando Loureiro Marinho falará sobre “Vegetarianismo, luz na evolução”.

Durante as duas noites do evento haverá ainda exibição de documentários e distribuição de material impresso informativo.

Outras informações podem ser adquiridas através do endereço www.blogdapav.blogspot.com ou pelo telefone (83) 9637-0976.


Por Jéssica Sobreira.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Alimentos seguros, apesar dos riscos


Uma conversa informal em uma roda de amigos sobre os riscos que corremos no dia a dia pode levar alguns ao pânico. A percepção comum é que os riscos cresceram e nos ameaçam por todo lado. O primeiro lembra que nas ruas somos vítimas potenciais de todo tipo de criminoso, assaltantes e motoristas que no Brasil têm licença para ferir e matar quase impunente. Outro comenta sobre as enfermidades, que “nos rondam como nunca”: o câncer mata cada vez mais, novas doenças são detectadas e vivemos quase sempre ameaçados por uma epidemia em potencial. “Em breve, faltarão animais e continentes para denominar as gripes,” concluiu preocupado e com exagero outro participante da roda. “Comer, então, está ficando cada vez mais dificil,” arremata uma mãe de crianças pequenas que seguia com interesse a conversa. “Ninguém sabe o que tem nos alimentos que somos obrigados a consumir; basta ler os rótulos, só tem produto químico, e a coisa mais difícil de encontrar é alimento conhecido. Está pior que bula de antidepressivo.” Um dos amigos argumenta que não é bem assim, que “nossa percepção de risco é falsa até porque não temos informações suficientes para estimar a probabilidade de sermos assaltados, atropelados ou envenenados por um pepino contaminado.”
A psicologia comportamental comprova que somos impressionáveis com facilidade por eventos recentes, ainda que não tenham fundamento objetivo. “Depois do que ocorreu no Japão, deve ter gente aqui no Brasil pulando da cama ao menor ruído, com medo de terremoto.” Não convence os demais, que insistem na tese de que viver é cada vez mais arriscado, e deixa a conversa jogando aos amigos o paradoxo: “então, como se explica que hoje vivemos muito mais e que, daqui a pouco, apesar de tudo, o mundo terá 8 bilhões de pessoas e que em alguns países a expectativa de vida chegará logo logo aos 90 anos? É porque embora o risco e a ameaça sejam reais, as ocorrências que alimentam nossa percepção são muito menores do que imaginamos.”
A conversa hipotética dos leigos se aplica perfeitamente ao tema da segurança dos alimentos, que voltou ao noticiário com a contaminação provocada por “inofensivos” brotos de feijão orgânico, que na visão comum (muito difundida pelos grupos que se opõem ao agronegócio) são saudáveis quase por definição, por que são naturais e produzidos sem a intervenção de agrotóxicos, como são denominados de forma genérica e incorreta todos os insumos químicos utilizados na agricultura. Não se trata de minimizar a ameaça e os danos provocados por uma nova linhagem da bactéria Escherichia coli, altamente infecciosa e tóxica, com genes que lhe dão resistência a alguns tipos de antibióticos: foram 41 mortes oficiais e quase 4 mil pessoas infectadas, apenas na Alemanha, das quais muitas sofrerão consequências por toda a vida.
Mas o estrago não se resume aos mortos e feridos. As consequências econômicas não são pequenas, e dificilmente serão dimensionadas. Em um primeiro momento, a contaminação foi atribuída a pepinos importados da Espanha, o que obrigou os agricultores espanhóis a descartar toda a produção que absorveu semanas de trabalho e de recursos. Posteriormente, as autoridades sanitárias da Alemanha descobriram a bactéria E.coli em folhas de alface, em uma área da região de Fürth, na Baviera, no Sudeste do país, e finalmente chegaram ao verdadeiro vilão: o broto de feijão. O fato é que, embora o foco tenha sido localizado, a percepção de risco de contaminação se espalhou rapidamente por toda a União Europeia, o segundo maior mercado de frutas, legumes e verduras frescas. Da noite para o dia, o saudável virou possível veneno, as feiras se esvaziaram e as mercadorias sobraram nas gôndolas dos supermercados e nas cada vez mais populares lojas de produtos naturais. Fossem esses produtos comercializados em bolsas, a queda teria sido maior do que a quebra da bolsa de Nova York em 1929. Qual o custo desta paralisação ninguém sabe.
Tivesse ocorrido aqui no Brasil, onde ainda engatinhamos no trato da questão sanitária, seria fácil responsabilizar o “descaso” das autoridades responsáveis, a “ganância” de produtores sem compromisso social, o “agronegócio” e até a “ignorância” do consumidor, que não se preocupa com a qualidade e olha apenas o preço. O problema é que ocorreu na Alemanha, país onde se supõe que as instituições funcionem quase como um relógio suíço. Independentemente da eventual responsabilidade do relojoeiro, isto sugere, de um lado, a enorme dificuldade de controlar e garantir a segurança dos alimentos em um nível que elimine os riscos, e de outro, uma possível falha na própria engrenagem do seu sistema de segurança.
A sucessiva ocorrência de episódios sanitários negativos desde o final da década de 1990, em particular alimentos contaminados – metanol no vinho, salmonela em ovos, chumbo no leite em pó, benzeno em água mineral, dioxina em frangos (gripe aviária), uso ilegal de hormônios na produção de carne bovina e de insumos que afetam a qualidade do produto final, como o uso de rações que levaram à doença da vaca louca –, que tiveram ampla repercussão na imprensa mundial, contribuíram tanto para difundir uma onda de insegurança e de questionamentos sobre a qualidade dos alimentos, como para elevar o nível de preocupação e alerta em relação à qualidade sanitária dos produtos. O conceito de segurança dos alimentos, até então restrito ao ambiente de tecnólogos, transbordou para a sociedade e desde então vem sendo objeto de políticas e regulamentações, nos âmbitos internacional e nacional. Outro subproduto dessas crises foi a mudança na própria percepção dos consumidores sobre a segurança dos alimentos, com a valorização do “natural” e o questionamento do “processado”, o primeiro tido como automaticamente saudável e o segundo como perigoso.
Ambos os juízos são falsos no contexto da vida moderna. O risco envolvido em comer sashimi preparado com peixe fresco em uma vila de pescadores é muito diferente do risco de degustá-lo em um restaurante em Campinas, preparado com um “peixe fresco“, produzido sem hormônios, mas que fez uma pequena viagem de centenas ou milhares de quilômetros para chegar ao mercado local. Do outro lado, não se pode desconhecer que o processamento e a industrialização dos alimentos contribuíram para eliminar e ou reduzir muito os riscos de contaminação alimentar e foram decisivos para a evolução da humanidade.
A insegurança provocada pela contaminação de alimentos deságua em pressões sociais que se traduzem na formalização de uma institucionalidade complexa, que regula todo o processo de produção dos alimentos, com a introdução de mecanismos de identificação e rastreabilidade, segregação de produtos, certificação e padronização, e que tem custos elevados para toda a sociedade sem necessariamente aportar benefícios adicionais. O padrão é conhecido: as ocorrências, independentemente de uma avaliação objetiva do risco real, são respondidas com novas regras, proibições, indicadores e padrões. E na dinâmica social das sociedades democráticas contemporâneas estas regras são para valer, criam direitos e deveres, ônus e benefícios, em torno dos quais se organizam e se degladiam (e desorganizam) grupos políticos e sociais com distintas visões do mundo.
A União Europeia tem sido campeã nesta área. Ao longo dos anos 1990, criou extensa legislação que regula cada detalhe da produção e comercialização de produtos alimentares: introduziu normas e mecanismos de controles por meio de medidas para melhorar as condições de saúde pública e de higiene dos alimentos; normas sobre rotulagem; regras sobre sanidade animal e vegetal; regras para o bem-estar animal; controle dos resíduos de pesticidas e agrotóxicos, bem como aditivos na alimentação; e informação nutricional aos consumidores, entre outras medidas. Nada disto impediu a crise da vaca louca, que já revelava a impossibilidade de garantir a segurança dos alimentos por meio apenas de imposições de regras sobre um processo produtivo que não para de se transformar sob impulso da concorrência e da inovação tecnológica. A aplicação dura do princípio da precaução, além de não ser suficiente para eliminar os riscos, em muitos casos tem apenas o efeito negativo de atrasar e encarecer inovações que atendem a demanda da sociedade.
Foi neste contexto que a UE assumiu o princípio, correto, de que a segurança dos alimentos deve ser permanentemente monitorada, o que exige a introdução de mecanismos da rastreabilidade ao longo de toda a cadeia de forma a permitir tanto a pronta identificação de problemas como a ágil mobilização para retirar os lotes afetados do mercado. É difícil apontar onde falhou o controle de qualidade do processo de produção que resultou na contaminação dos brotos de feijão; o episódio mostra, mais uma vez, a quase impossibilidade de garantir que alimentos contaminados não cheguem aos mercados. O que sim falhou de forma clara foram os mecanismos de detectação da ameaça e de intervenção para controlar os danos. Foram quase duas semanas para chegar ao broto de feijão, que continuou no mercado enquanto o inocente pepino era crucificado. É esta a maior fragilidade do sistema de segurança alimentar atual: detecção de ameaças e controle realista de risco e capacidade para reduzir os danos. É nesta área que temos que investir mais, inclusive em formação, em pesquisa e desenvolvimento e em infraestrutura de tecnologia industrial básica necessária.
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Antonio Marcio Buainain é professor livre docente do Instituto de Economia (IE) da Unicamp e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégia e Desenvolvimento (INCT/PPED)
Adriana Carvalho Pinto Vieira é pós-doutoranda do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp e pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégia e Desenvolvimento (INCT/PPED)


Postado por Jéssica Sobreira.

O lazer é um direito social no Brasil?

(Pesquisadora analisa documentos que resultaram na promulgação da Constituição de 1988)


O lazer é um direito social no Brasil?
Pesquisadora analisa documentos que resultaram
na promulgação da Constituição de 1988

O lazer como direito social foi incluído em uma Constituição pela primeira vez no Brasil em 1988, durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, iniciados em 1987. Um estudo de mestrado da Faculdade de Educação Física (FEF) de autoria de Flávia da Cruz Santos pôs em dúvida o fato de o lazer ter se constituído direito social no Brasil, já que muitos estudos indicam que ele ocupava na nação um lugar secundário. “Era encarado como supérfluo e não era tido como uma necessidade das classes populares”, garante a pesquisadora. Mas bem ao contrário do que ela achava, a pesquisa indicou que não se tratou de uma contradição, posto que o lazer foi reivindicado como um direito durante os trabalhos da Constituinte pelos três atores políticos participantes desse processo: os constituintes, as entidades da sociedade civil e a população.
Agora, como algo que era tido como “tão supérfluo e desnecessário” foi entendido como direito social? A pesquisadora descobriu que a contradição foi apenas aparente. “Na verdade, ela não existiu. O lazer foi reivindicado, e algumas expressões utilizadas nos textos das sugestões e emendas salientaram claramente isso: ele foi requerido como ‘direito fundamental’ e como ‘necessidade básica dos cidadãos’”. Então esta forma de compreender o lazer como direito e como necessidade básica indica que ele ocupava um lugar destacado na sociedade brasileira daquele momento histórico.
O assunto se tornou alvo de atenção de Flávia Santos, que quis compreender melhor o que começou a incomodá-la quando estudava as políticas públicas de lazer e de esporte. Foi aos documentos produzidos pela Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988 e reconstituiu as presenças e ausências do lazer nesse processo. Este trabalho de mestrado, que teve orientação da professora da FEF Silvia Amaral, buscou reconstituir a trajetória do lazer na Constituinte, que foi instalada no dia 1º de fevereiro de 1987 e dissolvida no ato da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.
A Constituição de 1988 resultou de reivindicações da sociedade brasileira que vinham desde a década de 1970, pois a última Carta, que ainda vigia naquele momento, datava de 1967, construída no e pelo governo Castello Branco, no início da ditadura militar. Deste modo, considera a pesquisadora, era uma Constituição que representava os valores e ideais do regime autoritário.
“As ausências revelaram muito nessa pesquisa”, situa ela, que percorreu a trilha completa dos documentos produzidos pela Constituinte, que hoje estão sob a guarda do Senado e da Câmara e foram disponibilizados on-line. Além deles, a pesquisadora analisou os documentos que os antecederam, sempre da década de 1980, que tratam da construção da Constituinte: mensagem do presidente José Sarney que propõe a convocação da Assembleia Nacional Constituinte, emenda Constitucional que a convocou e o seu Regimento Interno.
A professora de Educação Física contou, além do mais, com uma fonte oral – a entrevista realizada com José Maurício Linhares Barreto (do PDT), que foi o constituinte que mais enviou emendas e sugestões versando sobre o lazer, depois do sociólogo Florestan Fernandes, deputado pelo PT falecido em 1995. As sugestões populares foram enviadas via correio através de formulário apropriado, que também puderam ser encaminhadas através das entidades e dos constituintes.
A ausência de uma definição precisa do lazer na Constituição de 1988 é um problema na opinião de Flávia Santos. Está mal-definido constitucionalmente. Figura no artigo 6º como direito social, ao lado dos direitos à saúde, à educação e à moradia, mas não foram definidos os princípios, as diretrizes, os objetivos, os mecanismos e as regras institucionais que deveriam orientar a concretização do direito ao lazer, assim como sua fonte de financiamento.
Alguns constituintes (entre eles José Maurício e Caio Pompeu de Toledo), descobriu a pesquisadora, reivindicaram financiamento para o lazer em emendas. O que indica essa presença na Constituinte seguida de ausência na Constituição? Flávia dá sua explicação. “Significa que esses constituintes queriam não somente incluir o lazer como um direito no texto da lei. Desejavam garantir que ele fosse materializado na vida das pessoas, pois, afinal, como garantir um direito, como dar a ele concretude, se não houver financiamento para ele? É impossível”, argumenta. “Então essa não foi uma reivindicação retórica”, conclui.
Depois isso não ganhou sustentação, avalia a pós-graduanda, porque o jogo político dentro da Assembleia Nacional Constituinte ‘ia e vinha’. Ora os constituintes ganhavam e ora perdiam nas votações. Tratava-se de um jogo de pressões em que se observavam ausências e presenças – muitas vezes presenças como essas, seguidas de ausências, ou ausências, seguidas de presença. O jogo, portanto, tornava-se nebuloso. A pesquisa mostrou que o que era previsto pelo Regimento Interno da Constituinte, as etapas e quem deveria participar de cada uma delas, nem sempre era seguido. “Descobri muitos documentos e fases dos trabalhos que não estavam previstos. Eles não deviam existir, o que evidencia que a dinâmica de funcionamento da Constituinte ainda guarda mistérios”, comenta.
A autora desmistificou a ideia de que o lazer era tido apenas como uma forma de controlar a classe trabalhadora. “Não houve essa evidência da vinculação de interesses político ideológicos nas reivindicações em torno do lazer nesse trabalho”, frisa a pesquisadora. O estudo até revelou partidos políticos, de posições sobremodo divergentes naquele momento, que reivindicaram o lazer. Foram eles PT, PMDB, PCB, PDT, PFL, PL, PDS e PDC.
Outra sua constatação foi que existiram muitas maneiras de compreender o lazer na Assembleia Nacional Constituinte. Ele foi entendido como uma simples atividade, e também, de modo mais complexo, como um fenômeno social e uma ferramenta educacional relevante. Ao mesmo tempo em que ele era entendido como atividade, era entendido como uma necessidade básica e como um direito fundamental dos cidadãos. Um direito fundamental indica o mínimo necessário para que o cidadão tenha uma vida digna.
A pós-graduanda relata que a compreensão de lazer mais complexa não foi apresentada pela população, nem pelas entidades. Foi apresentada pelos constituintes. Segundo ela, Florestan Fernandes enviou uma sugestão muito significativa, com dez artigos, todos versando sobre o lazer. Ele compreendeu o assunto de modo abrangente, como intelectual que era.
A primeira emenda que incluiu explicitamente o lazer como direito social no processo Constituinte foi a 2P02038-1, uma emenda coletiva assinada por 291 constituintes. Seu texto é idêntico ao texto do artigo 6º da Constituição promulgada que define os direitos sociais: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, o amparo à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados na forma dessa Constituição”. Atualmente, esse artigo teve um acréscimo – a moradia.
Entrevista
José Maurício contou que o que o levou a reivindicar o lazer como direito de todos os brasileiros foi a sua história como político, muito próxima das camadas populares no Rio de Janeiro, Estado onde vivia e foi eleito deputado federal. Foi nesse contato que percebeu que as pessoas precisavam, necessitavam e queriam ter lazer. Foi a partir do seu próprio olhar que realizou essas propostas, uma ‘iniciativa pessoal’, e ele não consultou as sugestões populares enviadas.
A pesquisadora recorda que a Constituição de 1988 foi conhecida como a “Constituição Cidadã”. Contudo, ao analisar os documentos, encontrou vários indícios e vestígios históricos de que as sugestões populares não foram consultadas pelos constituintes. “A população não foi de fato ouvida nesse processo, como se diz que ela foi.”
Na entrevista de José Maurício, ele informou que muitas emendas eram ‘emendas de corredor’. Fazia-se uma emenda e contratava-se um funcionário para ficar no corredor da Câmara coletando assinaturas dos constituintes. “Ele contou que essa emenda foi ‘de corredor’, subscrita por 291 constituintes.”
No entender de Flávia Santos, o processo Constituinte e a inclusão do lazer na Constituição de 1988 ainda permanecem desconhecidos e merecem ser pesquisados. Seu estudo não se pretende conclusivo. “Essa foi a primeira pesquisa a investigar a construção histórica do lazer como direito social no Brasil, os atores políticos e os interesses envolvidos, despertando muitas outras possibilidades de estudo, de histórias a serem contadas”, expõe.
A pós-graduanda cursou algumas disciplinas no Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e na Faculdade de Educação (FE). Tal trabalho exigiu até 14 horas diárias de análise documental. De acordo com a sua autora, alguns documentos chegavam a reunir mais de 900 páginas. Acontece ainda que cada um deles somava de dois a quatro volumes, em razão da dinâmica imprimida pela Constituinte, que envolveu várias etapas e fases.
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■ Publicação
Dissertação: “Procurando o lazer na Constituinte: sua inclusão como direito social na Constituição de 1988”
Autora: Flávia da Cruz Santos
Orientadora: Silvia Cristina Franco Amaral
Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF)
Financiamento: CNPq

Postado por Jéssica Sobreira.

domingo, 24 de julho de 2011

II Encontro Acadêmico

O Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPE promove, entre os dias 22 e 24 de agosto, o II Encontro Acadêmico, com o tema Gêneros na Linguística e na Literatura. As inscrições já estão abertas e podem ser realizadas na secretaria do Programa, presencialmente, por telefone ou e-mail. A participação é livre, mas as vagas são limitadas.


O evento reúne palestrantes de várias universidades:
Angela Dionisio (UFPE), Carolyn Miller (NCSU / USA), Charles Bazerman (UCSB / USA), Desiree Motta-Roth (UFSM),Jean-Michel Adam (Université de Lausanne / Suíça), Judith Hoffnagel (UFPE), Maria Augusta Reinaldo (UFCG),Maria Auxiliadora Bezerra (UFCG), Shirley Geok-Lim (UCSB /USA) e Ute Heidemann (Université de Lausanne / Suíça).As palestras acontecem sempre das 9h às 17h.



Inscrições e informações

(81) 2126.8312


pgletras@ufpe.br




Por Mariana Pimentel


Oiii

E aí?


O que vocês acham de nos sugerirem algum tema pra postar aqui?
Alguma coisa que vocês gostariam de ver, de saber, de se informar...


Beijos, Jéssica.

:)

sábado, 23 de julho de 2011

As vítimas da Big Pharma

As populações do Sul, em especial as africanas, são cobaias dos testes clínicos de grandes laboratórios que testam ali, à margem de princípios éticos, medicamentos que servem aos mercados do Norte


Em março de 2005 os testes clínicos com o Tenofovir®, um antiviral utilizado no tratamento da aids, foram suspensos na Nigéria, por motivo de problemas éticos graves. Conduzidas pela associação Family Health International (Saúde da Família Internacional), sob responsabilidade do laboratório norte-americano Gilead Sciences, essas experiências foram financiadas pelo governo dos Estados Unidos e pela Fundação Bill and Melinda Gates. Embora tenham sido interrompidas em Camarões (fevereiro de 2005) e no Camboja (agosto de 2004),1tiveram prosseguimento na Tailândia, em Botsuana, Malawi, Gana e nos Estados Unidos.

Em agosto de 2001, desvios semelhantes levaram à abertura de uma ação judicial. Cerca de trinta famílias nigerianas compareceram diante de um tribunal nova-iorquino com o objetivo de condenar o laboratório norte-americano Pfizzer pelo teste do Trovan®, um antibiótico destinado a combater a meningite. Durante o estudo realizado em 1996 por ocasião de uma epidemia de meningite, onze de duzentas crianças morreram e várias outras ficaram com graves sequelas cerebrais ou motoras.2

Em todos os países do Sul, indústrias farmacêuticas organizaram testes clínicos a despeito da ética e da segurança dos pacientes: ausência de consentimento dos sujeitos, pouca informação, controle terapêutico insuficiente e benefício imperceptível para o doente ou para a população. No entanto, o teste clínico constitui um procedimento formalizado e rigoroso, indispensável à validação e à comercialização de um novo medicamento. Serve para avaliar a tolerância e medir a eficácia. Cerca de 100 mil testes clínicos seriam conduzidos anualmente no mundo, 10% deles nos países em via de desenvolvimento e 1% na África. Em 1999, os fundos públicos e privados norte-americanos teriam financiado 4.458 testes fora dos Estados Unidos, enquanto esse número se limitava a 271 em 1990.3


Regulamentação ao sabor de escândalos

A “medicina das provas”, que envolve a utilização de estatísticas e a prática de testes, foi imposta no Ocidente a partir do final do século XIX.4O desenvolvimento da ética médica após a II Guerra Mundial – o primeiro documento sobre o assunto é o Código de Nuremberg, adotado logo após o processo dos médicos nazistas em 1947 – só foi traduzido aos poucos para o domínio farmacêutico. Ao sabor dos escândalos e dos acidentes, elaborou-se uma regulamentação. Várias declarações internacionais completam e dão mais precisão ao Código de Nuremberg, principalmente as de Helsinque em 1964 e a de Manila em 1981: a primeira define os princípios éticos da pesquisa médica; a segunda foi especialmente concebida para os estudos clínicos conduzidos nos países em desenvolvimento. Esses textos insistem particularmente na competência dos pesquisadores, no respeito ao consentimento dos participantes, no caráter confidencial e na proteção dos sujeitos. No entanto, tratam-se de recomendações que não preveem nenhuma sanção.

Na França, os escândalos do Stalinon®, um antisséptico que matou 102 pacientes em 1955, da talidomida, responsável por 12 mil embriopatias de 1957 a 1962, e do talco Morghange, que intoxicou 145 bebês e matou outros 36 em 1972, para citar apenas os mais conhecidos, contribuíram para impor os testes clínicos e para especificar as regras que os regem. Mas foi preciso aguardar a Lei Huriet-Serusclat, de 20 de dezembro de 1988, para que as exigências deontológicas fossem definitivamente fixadas, reconhecendo implicitamente que, durante duas décadas, os testes clínicos foram conduzidos na ilegalidade completa.

Na África, as possíveis regulamentações médicas e farmacêuticas datam da época colonial e parecem obsoletas e inadequadas.5Os riscos de falta de ética são ainda maiores, porque os laboratórios fazem cada vez mais seus testes no continente negro. Na verdade, ali, seu custo é até cinco vezes menor do que nos países desenvolvidos. Além disso, as condições epidemiológicas na África se revelam constantemente mais propícias à realização de testes: frequência elevada de doenças, sobretudo infecciosas, e existência de sintomas não atenuados por tratamentos reiterados e intensivos. Enfim, o caráter dócil dos pacientes, em grande miséria, dada à pobreza das estruturas sanitárias locais, facilita as operações.


Ética contornada

Esse cenário ajuda a contornar os princípios éticos. Foi assim que, durante o teste clínico do Trovan®, nem as autoridades nigerianas, nem o comitê ético foram consultados, pelo menos formalmente, sobre a informação dada às famílias e aos arquivos de seu consentimento. Da mesma maneira, os testes do antiviral Tenofovir® realizados em quatrocentas prostitutas de Camarões, de julho de 2004 a janeiro de 2005, não cumpriram as exigências éticas. Essa molécula reduz a transmissão do VIS, o equivalente ao HIV no macaco. O fabricante queria verificar essa propriedade no ser humano e escolheu uma população de risco, as trabalhadoras do sexo de um país com grande número de casos de HIV, por causa de sua elevada probabilidade de contrair o vírus.

As voluntárias, muitas vezes francófonas e analfabetas, em primeiro lugar receberam uma informação escrita em inglês. Segundo as associações Act up Paris e a Réseau Camerounais Éthique, Droit et Sida (REDS), algumas mulheres pensavam até que estavam sendo vacinadas. Além disso, a utilização por parte delas de um placebo6– necessário para medir a eficácia do medicamento – não foi acompanhada de um reforço em seu acompanhamento médico e na prevenção da aids. Curiosamente, isso parece não ter alertado o comitê nacional de ética de Camarões. No entanto, lembra Fabrice Pilorgé, da associação Act up, “há um evidente conflito de interesses entre prevenir e conduzir um teste por meio de um medicamento preventivo” – principalmente, salienta ele, porque “o teste só pode funcionar se as moças forem expostas e se infectarem”.

Os comitês éticos foram recomendados desde 1964, na declaração de Helsinque, pela Associação Médica Mundial. Eles devem examinar o protocolo de experimentação antes do teste, assegurar a pertinência e verificar a aplicabilidade no contexto social e econômico dos locais onde o estudo será realizado. Os comitês se instalam muito gradualmente na África há uns dez anos, mas nem sempre têm competência7e meios necessários.


Interesses contraditórios

Se os testes clínicos devem ser efetuados na África, dada a própria natureza das patologias que ali se desenvolvem, as condições particulares do exercício da medicina e da vigilância dos efeitos nocivos dos remédios são sempre pertinentes? Dos 1.450 novos medicamentos comercializados entre 1972 e 1997, somente 13 concernem às doenças tropicais.8É a própria indústria farmacêutica que escolhe, financia e organiza esses estudos. A seleção dos medicamentos que constituem o objeto de estudo e sua avaliação são, assim, sistematicamente enviesados: por um lado, os laboratórios se preocupam, sobretudo, com a rentabilidade de seus investimentos; por outro, as autoridades locais se esforçam para definir uma política clara e coerente do medicamento que lhes permita efetivamente controlar a atividade dos laboratórios.

A oposição entre interesses científicos e comerciais exacerba-se nos países em via de desenvolvimento por causa da defasagem considerável entre os interesses industriais do medicamento e a pobreza dos países do Sul. No final da década de 1990 a cifra dos negócios mundiais da indústria farmacêutica (380 bilhões de euros) era superior ao produto interno bruto dos países da África Subsaariana (300 bilhões de euros).

Por exemplo, o teste clínico do Trovan® talvez pudesse ser justificado cientificamente, pois permitia testar sua eficácia em condições homogêneas em um número apropriado de pacientes, no caso, duzentas crianças. No entanto, os realizadores do teste não se perguntaram nem sobre o custo do produto, nem sobre as possibilidades de sua comercialização na ausência de um responsável pelas despesas ou pelo reembolso e, portanto, sobre sua improvável utilização na África.


Regras para os pobres

Não se perguntou mais sobre a credibilidade do Tenofovir® na África. Na verdade, se o teste clínico confirma a interrupção da transmissão do HIV, o Tenofovir® será proposto na profilaxia da aids. Esse objetivo é realista em um continente onde o tratamento dos doentes e o uso do preservativo, disponível e mais barato, provocam tantas dificuldades? A questão merece ser colocada: a experiência da profilaxia antimalária demonstrou muito bem que a ingestão diária e permanente de um medicamento, sobretudo se for caro e a pessoa estiver com a saúde perfeita, é ilusória. Há quem não hesite em pensar que o teste clínico tenha sido efetuado nos países do Sul e, sobretudo, entre as prostitutas, porque permitia a obtenção de uma resposta rápida e decisiva, sem complicação administrativa nem custos excessivos.

Alguns cientistas, como Philippe Kourisly, diretor-geral do Instituto Pasteur, em Paris, sustentam que a urgência de responder às necessidades sanitárias no terceiro mundo permite tornar as obrigações regulamentares mais maleáveis. No entanto, desqualificar o princípio de precaução por causa do seu custo dá indícios de que existe uma variação geográfica de critérios. No Norte, a prioridade seria dada ao valor intrínseco do produto. No Sul, a segurança seria subordinada à possibilidade de pagamento: a população deveria se contentar com o que pode pagar se a eficácia for confirmada pela prática. Uma apropriação do teste clínico pelos africanos é indispensável para a saúde pública e poderiam ser concernentes também à farmacopeia tradicional. Estabelece-se, assim, uma espécie de imperialismo estratégico, que impõe regras específicas aos pobres sem lhes perguntar se as aceitam. Afirmar, como Philippe Kourilsky, que seria ao contrário “uma forma de imperialismo ideológico para difundir regras de ricos àqueles que não podem endossá-las” abre a via a um relativismo dificilmente aceitável. Terceiros – ainda mais os que definem as regras – não podem designar quem pode ou não “endossá-las”.


Opções em casa

Uma apropriação do teste clínico, pelos africanos, parece indispensável para a satisfação das necessidades específicas da saúde pública no continente. Essa questão é mais importante ainda porque os testes podem ser concernentes também à farmacopéia tradicional, cuja utilização é mais econômica e mais aceita pela população. A experiência clínica poderia demonstrar a inocuidade e a eficácia dos remédios, valorizando assim o patrimônio nacional. Consequentemente, poderia surgir uma indústria farmacêutica local. Plantas africanas, reputadas como anti-infecciosas, anti-inflamatórias ou diuréticas poderiam ser usadas contra as infecções, reumatismos, hipertensão ou insuficiência cardíaca, e seguiriam os exemplos, a partir de então famosos, da quinina extraída da quina, a aspirina proveniente do chorão-salgueiro, a reserpina isolada de uma Rauwolfia serpentina africana e os anticancerígenos derivados da pervinca de Madagascar.

Os medicamentos experimentados na África devem corresponder às necessidades do continente. Deveriam satisfazer vários critérios específicos, determinados para sua futura utilização: eficácia e inocuidade do produto diante da insuficiência da vigilância dos efeitos nocivos dos remédios; facilidade de uso do medicamento (simplicidade na prescrição, administração e conservação), favorecendo a distribuição e a adesão dos pacientes ao tratamento e servindo como paliativo às fragilidades do sistema de saúde; e acessibilidade do produto. Mas trata-se, sobretudo, de suscitar uma capacidade local de decisão, de realização e de vigilância, que permita aos países do Sul explorar com a máxima independência as pesquisas clínicas.

Postado por: Jéssica Sobreira.

A África enfrenta o êxodo de médicos

Num continente já afligido por epidemias e empobrecimento, os sistemas públicos de saúde sofrem mais uma ameaça: a sedução de seus médicos, formados com enorme custo social, por hospitais do mundo rico


A cada ano 20 mil profissionais da área da saúde (médicos, enfermeiras, parteiras etc.) emigram da África para a Europa ou América do Norte. Há mais médicos do Bênin na França do que em seu país de origem. Portanto, levando-se em conta a desastrosa situação sanitária do continente, estima-se que seria necessário formar 1 milhão de profissionais da saúde até 2015, para que sejam atingidos os objetivos do milênio para o desenvolvimento (OMD).

Paradoxalmente, a África é um celeiro de profissionais de saúde para os sistemas sociais dos países do Norte. A Europa, os Estados Unidos e o Canadá negligenciaram a formação de um número suficiente de médicos, enfermeiros e parteiras para responder à demanda crescente causada pelo envelhecimento da população. Portanto, esses países são obrigados a recrutar pessoal estrangeiro. Estima-se que o Reino Unido tenha necessidade de 25 mil médicos e 35 mil enfermeiras a mais até 2008. Os Estados Unidos, por sua vez, precisarão recrutar 1 milhão de enfermeiros até 2010.

O recrutamento internacional parece uma solução simples e de baixo custo para enfrentar essa penúria. Indo buscar pessoal na África, os países ricos economizam o custo de formação, dez vezes superior àquele praticado no continente africano. Outra vantagem: muito mais flexível, esses profissionais se mostram mais dispostos a trabalhar durante à noite ou fazer horas extras. Mas, reciprocamente, essa migração qualificada representa uma perda de investimento para os países de origem desses profissionais, sem contar os efeitos negativos sobre a economia e a sociedade. Desse modo, Gana pode ter perdido 50 milhões de euros com a formação de pessoal da área de saúde que emigrou pouco depois da graduação.


A África forma, a Europa seduz

Esse contingente é presa fácil para as economias do Norte. De fato, os sistemas de saúde africanos degradaram-se bastante de 25 anos para cá. Os salários são baixos – o poder de compra de um médico nigeriano, por exemplo, é 25% menor que o de um médico do Leste Europeu;5há ainda uma ausência de perspectivas de carreira, condições precárias de trabalho (prédios deteriorados, falta de medicamentos e equipamentos), insegurança permanente ligada à instabilidade política, aumento crescente da jornada de trabalho por causa da falta de pessoal e dos danos causados pela aids (estima-se que na África, e segundo os próprios países, entre 19 e 53% das mortes entre profissionais da saúde são atribuídas a essa pandemia).

As agências de recrutamento, mas da mesma forma as redes da diáspora, podem assim atrair facilmente os profissionais do continente para os novos paraísos do trabalho. Deixando o campo pela cidade e o setor público pelo privado, os profissionais da saúde buscam perspectivas de emprego e melhores condições de vida para si e suas famílias.

Para a África a fuga de cérebros tem consequências desastrosas: duas crianças a cada três morrem de doenças que poderiam ser facilmente tratadas ou prevenidas. No Zimbábue, restam somente 360 dos 1.200 médicos formados na década de 1990. Entre 1993 e 2002, Gana perdeu 600 de 800. Dois terços dos que emigraram trabalham na Europa ou nos Estados Unidos. Concomitante a esse êxodo, a taxa de mortalidade infantil é de 1 para 10 em Gana, contra 1 para 200 na França, dispondo Gana de 9 médicos para cada 100 mil habitantes contra, na França, 335 para 100 mil. “Em certas especialidades o Níger perdeu todos os seus profissionais”, explica o Dr. Abdoulaye Bagnou, coordenador do gabinete do primeiro-ministro nigerense. “Não sabemos mais como escolher os equipamentos. Temos dificuldades para planejar e não podemos ouvir técnicos do Níger a respeito. Não podemos também contratar pessoal novo, o Banco Mundial e o FMI controlam nosso orçamento”, diz.


Novas estratégias contra a fuga

Vários países africanos decidiram reagir. As iniciativas mostram que é possível reverter a fuga de cérebros e melhorar os sistemas de saúde investindo em recursos humanos.

Em Uganda, por exemplo, o Ministério da Saúde criou, em 1996, um auxílio alimentação para os médicos ao qual se somou em 2001 um aumento de salário de 60%. O Malawi, por seu lado, conseguiu em 2005 convencer a Cooperação Britânica e o Banco Mundial a aumentar o salário do pessoal de saúde e recrutá-los e formá-los em maior número.

Lilongwe tentou, num primeiro momento, combater o êxodo rural de médicos. Ela chegou até mesmo a oferecer um bônus de 40 a 50% dos salários. Ao mesmo tempo, o Malawi reforçou sua capacidade de formação em termos de estrutura e de corpo docente, conseguindo multiplicar por seis o número de estudantes formados em medicina e em enfermagem.

Outro país muito dinâmico e inovador é Gana. Com a ajuda da Organização Internacional para as Migrações (OIM), Acra10lançou um programa de recrutamento temporário de pessoal da saúde que trabalha no exterior oferecendo prêmios aos que retornam. Escritórios de recrutamento foram criados nas principais embaixadas de Gana com o objetivo de melhorar os contatos com o pessoal qualificado da diáspora que deseje retornar ao país.

Em decorrência da taxa de mortalidade infantil e maternal, que está entre as mais elevadas do mundo, e a uma carência gritante de médicos e enfermeiros, a Etiópia tenta sanar essa situação. Vinte mil mulheres que não têm o diploma de enfermeiras, mas são especificamente formadas para a prevenção e primeiros socorros a mães e crianças, serão enviadas às zonas rurais. Quanto à Zâmbia, a equipe médica recebeu ofertas de prêmios, empréstimos para aquisição da casa própria e pagamento das despesas de educação dos filhos11com a finalidade de encorajar uma migração interna para as áreas mais inóspitas. Graças a esse programa, 66 médicos de Zâmbia aceitaram em 2005 trabalhar no meio rural.

Essas políticas de incentivo foram adotadas após uma falha nas medidas coercitivas adotadas no início dos anos 1990: tratou-se sobretudo de taxar os emigrantes, reter os certificados até o retorno e extinguir o grau na função pública. Essas medidas, na contramão do esperado, acabaram por desencorajar o retorno dos profissionais ao país e recrudesceram os conflitos sociais (greves, absenteísmo) entre o pessoal de saúde e o governo.


Uma "ajuda internacional" muito ambígua

Por sua vez, os países ricos adotaram códigos de boa conduta que tiveram, até o momento, um impacto muito limitado. Esses códigos proíbem o recrutamento em um certo número de países neles listados e protege os direitos do pessoal de saúde no país anfitrião. Todos os países da África figuram na lista de Estados protegidos. No entanto, os códigos de conduta, tais como concebidos pelo Reino Unido ou por certos países do Commonwealth12– não estando a França incluída – não têm força de lei. A aplicação sujeita-se somente à boa-vontade dos governos. Na prática eles não impediram que países ricos continuassem a recrutar pessoal médico de origem africana por meio de agências privadas.

“É essencial investir na formação, levar ajuda e agir de modo que efetivos suficientes permaneçam no local para suprir a demanda”, avalia, Louis Michel, comissário europeu para o desenvolvimento e ajuda humanitária, numa conferência de imprensa realizada no dia 7 de abril de 2006. No entanto, ele ressaltou a contradição entre os países-membro pretenderem aumentar o orçamento para o desenvolvimento e ao mesmo tempo drenarem talentos para a satisfação das próprias necessidades.

Se nenhuma medida de peso for tomada desde o presente momento para reforçar os recursos de pessoal de saúde na África Subsaariana, os futuros investimentos da “Comunidade Internacional” em saúde terão efeitos muito limitados em relação à situação sanitária das populações dos países em questão. Segundo a comissão para a África, de US$ 1 a 6 bilhões por ano a partir de 2006, e US$ 7,7 bilhões por ano a partir de 2010 serão necessários para suprir a falta de profissionais de saúde no continente.

Formar esse pessoal extra é essencial, mas só teria efeito em seis ou oito anos. Medidas de curto prazo e urgentes parecem, portanto, necessárias: aumentar salários, propor bônus financeiros para trabalhar em locais inóspitos. Mas é também essencial convencer o Fundo Monetário Internacional, a União Europeia e outras instituições financeiras internacionais a relaxar as regras econômicas a fim de permitir que os países africanos aumentem as despesas na área da saúde.

Postado por Jéssica Sobreira.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

A encruzilhada do desenvolvimento

O atual tripé da política econômica (superávit primário alto, câmbio flexível e o sistema de metas de inflação) dará sustentação ao crescimento e conduzirá o país a um novo patamar de desenvolvimento, alterando a distribuição de renda e riqueza em direção a mais igualdade?
por Clemente Ganz Lúcio, Sérgio Eduardo Arbulu Mendonça
O Brasil vem crescendo a uma taxa de 4,5%, em média, nos últimos sete anos (2004-2010). Esse novo patamar, após longo período de baixo crescimento, tem renovado as expectativas da sociedade brasileira. As taxas de desemprego voltaram aos níveis de vinte anos atrás, e a criação de novos empregos – a grande maioria com carteira de trabalho assinada, nos setores privado e público – tem superado o número de ingressantes no mercado de trabalho. Essa dinâmica, em que a demanda de trabalho tem ultrapassado a oferta, contribui para a redução do desemprego. Um conjunto de outras políticas públicas, como a valorização do salário mínimo, o Bolsa Família e a política de crédito, impulsiona o crescimento da economia, criando um círculo virtuoso de expansão da renda e do emprego.
Essa sensação de bem-estar e otimismo não deve encobrir, contudo, os desafios e obstáculos a superar para que o país trilhe uma rota de desenvolvimento com inclusão e melhoria do padrão de vida de toda a população, capaz de reduzir a enorme desigualdade de renda e riqueza ainda vigente no Brasil. E o enfrentamento desses desafios exige a implantação de políticas que vão além da política econômica ou macroeconômica, embora esta seja peça estratégica para o país atingir um patamar superior de desenvolvimento.
O que caracteriza o atual estágio de desenvolvimento e qual o papel da política econômica?
Em 2011, o Produto Interno Bruto por habitante (PIB per capita) no Brasil, importante indicador para avaliar o estágio de desenvolvimento dos países, deve atingir cerca de R$ 20 mil, ou US$ 12 mil. Para efeito de comparação, os EUA atingiram um PIB per capitade US$ 47 mil em 2010, quase quatro vezes o do Brasil. Ainda que se considere que atingir esse nível de renda dos EUA e dos países desenvolvidos pode demorar um longo tempo, não há como ignorá-lo como uma meta importante de bem-estar da população mundial.1
Já tendo iniciado esse movimento, nas próximas duas a três décadas o Brasil vai aprofundar o fenômeno que os especialistas em demografia denominam de janela de oportunidade demográfica ou bônus demográfico. Nos próximos vinte a trinta anos, a proporção da população jovem e adulta em relação à população que não trabalha (dependente) vai atingir o maior patamar. Nesse período, o país poderá alcançar o mais alto potencial produtivo em muitas décadas, elevando as oportunidades de criação de renda, riqueza e bem--estar para a população.
Para “realizar” esse potencial é necessário crescer e incluir a população que chega todo ano ao mercado de trabalho, gerando empregos e ocupações decentes e produtivas e pagando salários mais altos. A pergunta é mais que oportuna. Com a atual política econômica nós vamos chegar lá?
A atual política econômica está apoiada num tripé: o superávit primário das contas públicas, a taxa de câmbio flexível e o sistema de metas de inflação sob comando do Banco Central. E quais são seus principais resultados?
Convivemos com as mais altas taxas de juros reais (descontada a inflação) do mundo. Temos a mais alta carga tributária (a relação entre os impostos arrecadados e o tamanho da economia) entre os países com o mesmo nível de renda per capita. E, nos últimos anos, há uma forte tendência à apreciação da moeda brasileira, dificultando a competitividade dos produtos exportados pelo Brasil e aumentando a facilidade de importar produtos de outros países.
Antes de enfrentarmos o debate sobre a política econômica, cabe registrar que existem diversos obstáculos estruturais ao desenvolvimento. A qualidade da educação, especialmente a educação pública e universal, a carência de infraestrutura econômica, a saúde e o déficit habitacional, talvez estejam entre os principais. Atingir outro patamar de desenvolvimento implica enfrentar esses desafios, sem o que, apenas crescer em termos econômicos não significará bem-estar para todos os brasileiros.
Apesar dos problemas apontados acima, se o país sustentar o atual ritmo de crescimento, entre 4,5% a 5%, nos próximos dez anos (ou até antes desse prazo), a economia brasileira vai se tornar a quinta maior do mundo. Nosso PIB ultrapassará, em tamanho, o da França e o da Inglaterra (embora tenhamos uma renda per capita bem menor).
Ainda que não se trate de competição entre países, tal fato representará uma espécie de encontro com nosso destino, já que temos a quinta ou sexta maior população do planeta (devemos ser ultrapassados pelo Paquistão em poucos anos).


Mudar o time que está ganhando?
Voltando ao tema central deste artigo, é necessário mudar a atual política econômica, que é a mesma política adotada na maioria dos países, sobretudo os emergentes? Ou, dito de outra forma, o atual tripé da política econômica dará sustentação ao crescimento e conduzirá o país a um novo patamar de desenvolvimento, alterando a distribuição de renda e riqueza em direção a mais igualdade?
A discussão sobre a atual política econômica, em senso estrito, dificilmente criará condições políticas para alterá-la, considerando os interesses internos e externos que trabalham para mantê-la. É necessário ampliar a dimensão do debate, trazendo ao palco público o tema do desenvolvimento nacional. Senão – dirão os pragmáticos e defensores da atual política – para que mexer em time que está ganhando, uma vez que o país está crescendo, gerando emprego, reduzindo o desemprego e, ainda que timidamente, a desigualdade da renda do trabalho?
A resposta para essa pergunta, no nosso entender, só é possível condicionando a discussão da política econômica ao debate mais amplo do desenvolvimento nacional. Resgatar a ideia de que a política econômica e as demais políticas correlatas (fiscal, tributária, cambial) devem estar subordinadas ao objetivo maior do desenvolvimento nacional e da distribuição da renda.
Na prática, significa dizer que as taxas reais de juros têm de cair para níveis internacionais (muito baixos), a moeda brasileira não pode continuar se apreciando e colocando em risco diversos setores, em particular o setor industrial. Por sua vez, a dimensão do gasto público deve considerar a superação dos principais problemas como erradicação da pobreza, qualidade da educação e da saúde, eliminação do déficit habitacional e construção da infraestrutura econômica.
Iniciemos pelos vergonhosos juros praticados no Brasil. Por que são tão altos? A que interesses respondem?
Certamente aos interesses do rentismo arraigado da parcela endinheirada da sociedade brasileira que deles se beneficia. É uma enorme simplificação, no debate econômico e político, “culpar” o Banco Central e seus diretores, que compõem o Copom,2 pelas decisões sobre o nível dos juros no Brasil. Ou “culpar” a ganância dos bancos que a cada ano apresentam lucros recordes nos seus balanços, influenciados por essas taxas exorbitantes. Sem dúvida, essas instituições contribuem para esse estado de coisas. Mas não devemos ignorar que juros altos refletem os interesses de alguns milhões de brasileiros, ou estrangeiros, que aplicam seus recursos no sistema financeiro brasileiro, inclusive os pequenos poupadores que, em geral, desconhecem a lógica de funcionamento de nosso sistema financeiro. O fato é que a forma de financiamento da nossa dívida pública acaba premiando os aplicadores no curto prazo. Ao contrário da maioria dos países, nos quais a maior rentabilidade das aplicações tem como contrapartida aplicações em títulos de longo prazo, no Brasil, o aplicador ou o especulador tem alto retorno em aplicações de curtíssimo prazo.
O desmonte dessa perversa engrenagem é inadiável. Mas só será feito com forte apoio da parcela da sociedade penalizada por esse modelo. E quem são os prejudicados por essa política de juros altos? Os trabalhadores que dependem do crescimento, dos investimentos e da geração de empregos; os micro e pequenos empresários que dependem de crédito barato para expandir seus negócios; a população mais carente que depende das políticas públicas de educação, saúde, seguridade social, habitação, transferência de renda e investimento público em infraestrutura. Não é possível ignorar o prejuízo para as políticas públicas que decorre do “rombo” que esses juros provocam no orçamento fiscal, forçando a manutenção de altos superávits e contenção de gastos, e limitando o uso desses recursos para fortalecer e ampliar essas políticas.
Nessa complexa teia de interesses, o poder de vocalização e pressão dos agentes envolvidos é muito assimétrico. Enquanto o interesse das altas finanças e do rentismo domina os principais meios de comunicação e defende a manutenção dos juros mais altos do mundo, atacando a voracidade de um Estado perdulário e endividado, os trabalhadores e a maioria da população que não aplica recursos no sistema financeiro não têm o mesmo poder de influência no debate público. Registre-se, contudo, que o movimento sindical e outras forças sociais, incluindo empresários do setor industrial, têm criticado insistentemente essa política nos últimos anos.


Outra dimensão importante do atual funcionamento da economia brasileira é a tendência de apreciação da moeda brasileira em relação ao dólar e às demais moedas (euro, iene, yuan, peso). Tudo se passa como se essa valorização fosse resultado “natural” do recente sucesso da economia brasileira. Explica-se essa tendência de valorização pelos êxitos do país em termos de crescimento.3 A boa performance da economia brasileira atrai investimentos externos em carteira (títulos, ações) e investimentos produtivos que pressionam a moeda brasileira para cima. Só não é dito que a total liberdade do fluxo de capitais, associada às mais altas taxas de juros do mundo, torna o Brasil o local mais atraente para aplicações estrangeiras de curto prazo. Aplicações que têm como lastro uma dívida pública líquida e um Estado solvente que não dá calote! Nessa situação é muito difícil impedir a valorização da moeda brasileira!
A taxa de câmbio não está dissociada, portanto, dos juros altos. Historicamente, é importante frisar, os países que se desenvolveram e atingiram níveis elevados de renda per capita utilizaram largamente instrumentos de proteção de sua indústria nascente e de seu espaço econômico. E, diga-se de passagem, até hoje o fazem. Casos como os da Alemanha e dos EUA são conhecidos na literatura econômica. Os exemplos recentes são ilustrativos. O mais importante é o da China, que mantém estrito controle sobre o valor, desvalorizado, de sua moeda. Exigir que países no estágio de desenvolvimento do Brasil abram seus mercados e valorizem sua moeda não é nem natural, nem utiliza como aprendizado a história de países que atingiram altos estágios de desenvolvimento.


Impostos: fonte de injustiças
Outro ponto da política econômica merece ser debatido no contexto de um projeto nacional de desenvolvimento. Trata-se da estrutura tributária brasileira. Virou lugar-comum falar mal da elevada carga tributária brasileira. Ela é mesmo alta, considerando a nossa renda por habitante. Destrinchar esse enigma da alta carga tributária é muito importante para o futuro do país.
No Brasil, as famílias e pessoas de alta renda pagam poucos impostos (quando pagam). Mais da metade da carga tributária brasileira (alguns estudos apontam cerca de 60%) é constituída por tributos indiretos que incidem no consumo e no faturamento das empresas. Os impostos sobre a renda e o patrimônio, embora justos em termos de equidade, são minoritários no bolo da arrecadação tributária. Mesmo no caso do imposto de renda, a maior parcela do montante arrecadado é constituída pelo imposto retido na fonte dos assalariados, e não das pessoas e famílias de renda mais alta.
Os impostos indiretos que incidem na circulação e no faturamento de bens e serviços são integralmente repassados para os preços, e pagos por toda a população. Nesse modelo, os que ganham menos pagam mais impostos, já que o valor do imposto cobrado do consumidor, de alta ou baixa renda, é o mesmo. É o Robin Hood às avessas, quem pode mais paga menos!
A estrutura do sistema tributário nacional tem tudo a ver com o recorrente debate sobre a competitividade da economia brasileira. Como os impostos indiretos estão embutidos nos preços dos bens e serviços, quanto mais dependente dos impostos indiretos é a arrecadação tributária, mais caros e menos competitivos são os produtos brasileiros, dificultando sua competitividade no comércio internacional. Uma profunda mudança do sistema tributário, que alterasse as bases da tributação, aumentando a arrecadação pela via dos impostos sobre a renda e o patrimônio, além da indiscutível justiça em tributar quem tem mais, teria enorme influência na competitividade internacional da economia brasileira.
Não há como negar que avançamos muito nos últimos anos no Brasil. O novo patamar de crescimento e de geração de empregos, as políticas de valorização do salário mínimo, transferência de renda, expansão do crédito, entre outras, foram escolhas importantes da sociedade e do governo federal para atingir esse novo estágio de desenvolvimento.
Caminhando para se transformar na quinta economia do mundo, o Brasil tem atraído as atenções. Os grandes eventos esportivos (Copa e Olimpíadas), a necessária e urgente recuperação da infraestrutura econômica e a descoberta do pré-sal têm criado condições para que sonhemos com um futuro promissor.
Nesse futuro, a imagem de um copo com água pela metade talvez sintetize nosso atual momento. Ou a frase “tão perto, tão longe” possa expressar os próximos desafios. Manter o crescimento acelerado vai introduzir tensões inevitáveis na legítima disputa pela renda nas próximas décadas. Um exemplo oportuno é o atual debate sobre os salários no Brasil. É difícil visualizar um país desenvolvido com os trabalhadores recebendo salários baixos. A trajetória do nosso desenvolvimento passa pela elevação da participação dos salários na renda nacional. Não há outro caminho.
Acompanhando os termos da discussão desse tema atualmente, os analistas de sempre dizem que os salários não podem crescer acima da produtividade. Não há como ignorar que a produtividade é um fator importante para viabilizar a elevação da renda per capita no Brasil. Mas, mantido o crescimento dos salários segundo a produtividade, teremos congelada a atual e injusta distribuição de renda.
Esse talvez seja o principal desafio do país nos próximos anos. Como aumentar os salários e manter a competitividade da economia brasileira? Reduzir a carga de juros, transformar a estrutura tributária e manter o câmbio em patamar competitivo é o caminho para que o país cresça, os salários subam e a distribuição de renda se modifique sem que as tensões dessa legítima disputa impeçam o desenvolvimento.


Clemente Ganz Lúcio é diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) e membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social - CDES.
Sérgio Eduardo Arbulu Mendonça
Economista, técnico do DIEESE.



1 Não desconsideramos que o debate sobre o nível de renda per capita, ainda que importante, não deve serrealizado sem envolver a dimensão socioambiental.
2 Comitê de Política Monetária, instituído em 20 de junho de 2006, composto pela diretoria do BancoCentral.
3 Atualmente, se essa fosse a única explicação, a moeda chinesa seria a mais valorizada do mundo!

Palavras chave: EconomiainflaçãodesenvolvimentogovernoBrasildistribuição de renda

Disponível em:http://diplomatique.uol.com.br/artigo.php?id=941


Postado por Jéssica Sobreira.